Como funciona o termo sifão             (Jorge Luiz de Carvalho)

 

Muito se tem falado sobre o sistema de arrefecimento do DKW que é muito simples, pois não tem bomba d água e a diferença de densidade da água quente e da água fria promove a circulação num processo de transferência de massa denominado termo sifão.

Antes de continuarmos a conversar sobre o termo sifão, vamos entender quais os mecanismos de troca térmica que ocorrem no sistema motor-radiador do DKW.

O processo de queima do combustível gera uma quantidade grande de calor que não é aproveitada na transformação em energia mecânica, sendo, portanto, transformada em energia interna através do aumento da temperatura das partes em contato com os gases queimados.

Pistão, principalmente sua cabeça, anéis e paredes do cilindro são os elementos que estão na linha de frente dessa energia térmica.

Com o funcionar contínuo do motor essa temperatura tenderia a aumentar até que houvesse uma falha mecânica de algum dos componentes [1]. A partir dessa falha, a temperatura não mais aumentaria, pois o motor quebraria, fundiria ou qualquer outro “ia” que o impediria de continuar funcionando.

Portanto, temos o primeiro elemento termodinâmico do processo que é a chamada FONTE QUENTE.

Para retirar calor dessa FONTE QUENTE é necessário ter-se uma FONTE FRIA, que só é fria porque não está tão quente quanto a fonte quente. A água de refrigeração que deveria ser desmineralizada. Água da torneira não é recomendável por dois motivos: tem sólidos em suspensão que podem se depositar nos canais de refrigeração por ação da temperatura e torna a água um composto apolar, ionizado, que permite a condução de corrente elétrica, o que favorece o processo de corrosão interna, novamente obstruindo os canais internos de refrigeração do bloco do motor.

Por que essa preocupação redundante com os canais de refrigeração? Aqui aparece a primeira característica ou atributo do termo sifão. Os canais de refrigeração, aqueles caminhos por onde a água escorre e se aquece, retirando calor da FONTE QUENTE devem ser verticais. Não existe termo sifão se a água tem que percorrer caminhos tortuosos e complicados. Têm, repito, que serem verticais e, portanto, desobstruídos. Que tal pensar em varetar o bloco antes de montar o motor?

O que temos agora? Água quente que retirou calor da FONTE QUENTE, controlando a temperatura do motor. Só que agora, a água quente se transformou ela mesma em uma fonte quente. Se tivéssemos um circuito aberto onde essa água quente pudesse ser jogada fora e nova água fria pudesse ser reposta, de forma contínua, o circuito encerrar-se ia por aí. É o que acontece com o resfriamento dos reatores atômicos das usinas de Angra dos Reis – quando estão funcionando. Pegam água fria do mar e refrigeram os reatores, jogando água quente no mar de novo, quase cozinhando os peixes que por ali passam. Na verdade, é mais ou menos assim, pois essa água do mar, em circuito aberto, refrigera um sistema de água doce em circuito fechado, água essa que se contamina com radiação e por isso chamada de água pesada.

O DKW, apesar de irradiar alegria e felicidade a seus proprietários, não tem um motor atômico nem radiativo. Mas tem um circuito fechado de água de refrigeração que tinha se tornado uma fonte quente, se lembram? Para que essa fonte quente volte a ser fonte fria, utiliza-se ar fresco coletado pela grade transportado pelo ventilador e obstruído pelas bobinas e pelo Lubrimat em alguns casos, e força-se esse ar através de tubinhos por onde essa água quente se esfria e o ar se esquenta, esquentando também a parede corta fogo do carro que faz com que o interior do DKW funcione como uma estufa…

Agora vamos falar de mais um conceito termodinâmico que é o da eficiência da troca térmica. A eficiência da troca térmica é diretamente proporcional à diferença de temperatura entre a fonte quente e a fonte fria.

No motor, a eficiência da refrigeração do bloco, pistões e coadjuvantes depende da temperatura da combustão, temperatura essa determinada pela quantidade de combustível queimado e a temperatura com que a água sai do radiador e entra no bloco do motor. Para que a água entre no motor com temperatura bem próxima da temperatura que sai do radiador é que existe aquele isolador metálico para evitar a influência do calor transmitido pelo coletor de descarga e também e o que determina a construção da mangueira inferior com revestimento externo de manta de amianto.

Por outro lado, no radiador, a temperatura da água de refrigeração deve ser a mais quente possível para não apenas ter retirado a maior quantidade possível de calor do motor, mas também para estar bem mais alta que o ar fresco coletado pela grade transportado pelo ventilador e obstruído pelas bobinas e pelo Lubrimat.

Alguns conceitos físicos precisam ser introduzidos nesse momento. Líquidos conduzem bem o calor. Algumas válvulas de descarga de motores são refrigeradas a sódio líquido. Gases e vapores não. O ar é um gás e para que possa retirar calor dos tubinhos do radiador por onde a água quente passa, é preciso uma grande quantidade e uma grande diferença de temperatura entre fonte quente e fonte fria. Por isso é que aquela borracha que une o Venturi do ventilador e o radiador tem grande importância. Não podemos nos dar ao luxo de deixar vazar ar pela frente do radiador. Todo o ar coletado tem que passar através do radiador.

Mas devemos nos lembrar que a água, quando submetida à pressão de 1 atmosfera ou 14,7 psi ferve a 100 graus Celsius. Quando ela ferve ela vira vapor. E já vimos que vapores são maus condutores de calor. E quanto maior o espaço vapor dentro do radiador, menor a troca térmica. E quanto menor a troca térmica…

Aí entra a tampa do radiador que faz com que o mesmo funcione como uma panela de pressão. Ou quase por que a panela de pressão não tem refrigeração a ar fresco coletado pela grade transportado pelo ventilador e obstruído pelas bobinas e pelo Lubrimat. Uma panela de pressão ou, como se chama na indústria, um vaso de pressão, ao trabalhar com uma pressão maior, permite que a água atinja maiores temperaturas sem entrar em ebulição. Maior temperatura da fonte quente, etc.

Mas à medida que a pressão aumenta, algumas partes podem não agüentar essa temperatura e pressão e correm o risco de romper. As mangueiras, o próprio radiador. Nesse caso, a tampa do radiador, além de vedá-lo, tem a função de válvula de segurança que, a partir de uma pressão pré-determinada, libera líquido ou vapor, mantendo a pressão interna do circuito dentro dos valores adequados.

Observe que, em operação normal, a válvula da tampa libera líquido e não vapor. Isso por que se o sistema estiver escorvado, isto é, livre de gases, sejam eles ar ou vapor d água, somente a água na fase líquida circulará no sistema de refrigeração.

E como a água circula no sistema de termo sifão? A água fria tem um peso específico, ou seja, o peso dividido pelo volume ocupado, maior que a água quente. Portanto, se num tubo vertical houver água quente e água fria, a porção de água fria vai pra baixo deixando espaço para ser ocupado pela água quente. A água fria da parte de baixo do radiador empurra a água quente do bloco do motor canais verticais acima – desde que não obstruídos por depósitos calcários e ferrugem – água quente essa que caminha pela mangueira superior do motor e entra na caixa d água do radiador.

Da mesma forma que a água fria tende sempre a descer e, como dito anteriormente, “abrindo” espaço para a água quente ocupar o seu lugar.
Mas isso tudo só ocorre se o circuito estiver isento de bolhas de ar ou gases ou vapor. Diz-se que o circuito está escorvado.

Quando, por algum motivo, a água vai sendo liberada pela válvula da tampa do radiador, surge espaço para outro fenômeno chamado de vaporização ou ebulição da água de refrigeração. O processo de vaporização é um processo endotérmico ou seja, com absorção de calor, por causa de uma característica da água chamada de calor latente de vaporização, ou seja, enquanto a água está passando de líquido para vapor ela absorve calor, sem variação de temperatura.

O que acontece quando a válvula da tampa do radiador libera pressão com uma regulagem mais baixa? Por causa da redução do volume de água dentro do radiador, principalmente na caixa d água superior surge um espaço físico onde a água pode se vaporizar. Quanto mais água se vaporiza, mais a temperatura fica baixa, porém começa a surgir um espaço vapor que pode servir de bloqueador ao fluxo de água quente que vem da mangueira superior. Por outro lado, essa diminuição do volume hídrico vai diminuir a troca térmica pois tem-se menos massa de água para retirar a mesma quantidade de calor gerado no motor. Inicia-se, pois um ciclo vicioso de esquenta, evapora, esquenta, evapora até que não tem mais como evaporar e a troca térmica passa a ser deficiente, ou eficiente, dependendo do ponto de vista e passa-se a ter um gerador de vapor que pode deixar de se vapor úmido para ser vapor supersaturado, com temperaturas superiores a 100 ºC, fenômeno comum nas caldeiras a vapor que trabalham com vapor nessa qualidade.

Imagine uma situação limite em que o radiador não tivesse tampa e motor estivesse funcionando na estrada. Cada vez mais a água vai vaporizando e sendo jogada para fora e cada vez mais o motor vai esquentando por que não mais tem a massa de fluido refrigerante necessária a carregar o calor para fora do motor. Logo o motor estará fundido, travado, quebrado, estragado.

As observações acima servem para a discussão pois tenho ouvido muitos relatos de que perder água é bom, pois o motor trabalha mais frio. A análise termodinâmica de transferência de calor não nos leva a pensar assim. Então, cabe-nos verificar o que é realidade e o que é folclore dentro desse assunto tão polêmico.

[1] O alumínio funde a 660 ºC; a liga supereutética usada na fabricação de pistões funde a um pouco mais; o ferro fundido funde a 1230 ºC

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